Numa dessas ricas conversas entre professores e alunos das quais os corredores da UFRN são testemunhas oculares, ouvi de um professor uma resenha do livro Elogio da Loucura, cuja autoria é do Erasmo de Rotterdam. Naquele momento, percebi meu sistema auditivo enviando suas famintas ordens para minhas glândulas salivares e, inexplicavelmente, comecei a salivar como se estivesse escutado o cheiro do feijão que só mamãe sebe preparar. Para satisfazer aquela fome desgraçada que me acometeu, convidei minha digníssima esposa a ir comigo no restaurante que vende livros (leia-se: livraria Siciliano do Natal Shopping) e pedi aquele prato que foi cozido no forno da loucura (leia-se: o livro Elogio da Loucura). Desde então venho padecendo na sua eterna digestão.
Erasmo faz na obra Elogio da Loucura fortes críticas as atitudes do homem e o acusa de utilizar a Loucura para a tomada de suas decisões. O autor considera que todos os atos humanos são desencadeados pela Loucura.
No discurso XIII, a Loucura - que durante todo o livro se apresenta em primeira pessoa, defendendo sua figura e seu ponto de vista - nos presenteia com o belíssimo argumento abaixo:
E para começar, quem não sabe que a primeira idade do homem é para todos, de longe, a mais alegre e agradável? Mas o que tem as crianças que nos faz beijá-las, abraçá-las, acariciá-las tanto, que até os inimigos lhes vêm em auxílio? O que senão a graça que vem da falta de juízo, aquela graça que a prudente natureza se empenha em infundir nos recém-nascidos para que, por uma espécie de compensação agradável, possam amenizar as fadigas de quem os educa e conquistar a simpatia de quem deve protegê-los? E da adolescência que se segue à infância, como agrada a todos, que entusiasmo sincero provoca, que atenções carinhosas recebe, com que bondade todos lhe estendem a mão! Mas de onde vem, por favor, essa benevolência para com a juventude? De onde, senão de mim? É por mérito meu que os jovens são tão carentes de juízo; por isso estão sempre de bom humor. Eu mentiria, porém se não admitisse que tão logo crescem um pouco e começam a adquirir certa maturidade com a experiência e a educação, a beleza logo murcha, diminui a alegria, esmorece a graça, decresce o vigor. Quanto mais se distanciam de mim, menos vivem (...) p. 25.
Em outro momento ela, a deusa Loucura, nos brinda com o seguinte:
Em suma, sem mim nenhuma sociedade, nenhum relacionamento feliz poderia durar. O povo cansar-se-ia do príncipe; a serva, da patroa; o professor, do aluno; o amigo, do amigo; a mulher, do marido (...) se de vez em quando não se enganassem uns aos outros, ora adulando-se, ora sabiamente fingindo não ver, ora bajulando-se com o mel da loucura. (...) p. 35.
Nos trechos citados, percebemos o quanto o autor foi terno e abusado em suas palavras. Por isso, por causa de sua maneira peculiar e atrevida de expor seus argumentos, ele conseguiu prender meu inconsciente nas suas palavras. Elogio da Loucura é uma obra prima que propõe enriquecer nosso repertório de idéias “loucas”.
Concluo tendo a certeza que para um indivíduo (eu) se inscrever, influenciado por outro, num vestibular para Pedagogia, ter a sorte de conseguir ser aprovado no certame, querer concluir o curso e dizer que possui coragem de mergulhar no mar de torturas dos pedagogos formados pela UFRN, precisa ser, no mínimo, “louco” com L maiúsculo. “Louco” não, muito “Louco”. Pobre alma.
Por Rodrigo Barros
Referência: ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. Tradução de Paulo Sergio Brandão. São Paulo - Martin Claret, 2008.
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